Refletir, pensar, discutir, analisar a escrita teatral dos diversos
autores negros brasileiros e contemporâneos nos dias de hoje. Esse é o
principal tempero da mostra Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada,
projeto que reúne companhias dos Estados da Bahia e São Paulo no Teatro
de Arena Eugênio Kusnet, na Funarte. Até o mês de abril de 2013,
espetáculos, palestras, debates e leituras dramáticas dão nomes, vida e
cores para o teatro negro. Oportunidade para acompanhar discussões sobre
a existência ou não de uma estética própria da dramaturgia negra, a
derrubada de rótulos a respeito do tema teatro negro, a evolução desta
escrita e sua visibilidade perante o universo teatral. Assuntos que,
infelizmente, estão fora da grande mídia. O projeto é uma continuidade
ao processo iniciado pelo Teatro Experimental do Negro (TEM), criada em
1944 pelo mestre Abdias do Nascimento, em conjunto com o Teatro
Profissional do Negro (Telepron), formado por Ubirajara Fidalgo. A
Kultafro conversou com Aldri Anunciação, coordenador do projeto, autor e
ator do espetáculo “Namíbia, Não!”, que tem a direção de Lázaro Ramos e
integra a programação. Neste espetáculo, Aldri divide o palco com o
ator Flávio Bauraqui. Natural de Salvador, Bahia, Aldri Anunciação é
ator e dramaturgo formado em Teoria Teatral pela Universidade do Rio de
Janeiro (UNIRIO).
Kultafro – percebe-se pela curadoria realizada para
a montagem da programação da mostra a questão racial não foi
preponderante, ou seja, não foi foco único. Por que?
Aldri Anunciação – Quando se fala de dramaturgo
negro-brasileiro pensa-se logo em peça teatral engajada na questão
racial. Muito interessante essa relação, mas tenho percebido que o autor
negro brasileiro, sobretudo jovem, tem feito uma dramaturgia mais
ampla, discutindo questões humanas de alcance que vão muito além da
questão étnica. Eles discorrem também sobre o ciúme, sobre o amor, sobre
a ambição, sobre o “ser ou não ser”. Portanto considero reducionista a
ideia de que o dramaturgo negro-brasileiro-contemporâneo escreve peças
somente sobre racismo. Isso não é verdade. Por isso nossa curadoria do
Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada pautou sua pesquisa em peças
teatrais pudesse desmistificar esse rótulo ao autor negro.
Kultafro – São 18 autores negros da dramaturgia
contemporânea brasileira, além das leituras dramáticas e palestras.
Conte como foi o processo de curadoria dos espetáculos para compor a
mostra.
Aldri – Partindo do pensamento que o atual dramaturgo
negro- Brasileiro é politemático, realizamos nosso processo de busca
assistindo à diversos Festivais de Teatro existentes no Brasil como o
FIAC (Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia) e o FILTE
(Festival Latino Americano de Teatro). Os festivais de teatro
brasileiros atingiram uma excelência na sua composição que ajudou muito
nesta investigação.
Kultafro – Apesar de termos uma grande quantidade de autores negros no cenário de teatro no Brasil, acha que ainda somos “invisíveis”?
Aldri – A invisibilidade do dramaturgo é um processo
quase natural nas artes cênicas posto que ele não está fisicamente no
palco durante encenação. O que não deve estar invisível são as suas
ideias. O que acontece é que o dramaturgo negro ultimamente não tem
falado somente sobre questões étnicas, então quando ele apresenta algo
diferente dessa temática, não é registrado que se trata de uma
dramaturgia negra. Mas esse registro é importante historiograficamente.
Vivemos em um pais que teve um passado escravocrata, então é necessário
registrar essa nossa evolução, e, sobretudo, a evolução estética da
escrita do negro. Isso poderá quebrar alguns paradigmas e resquícios de
conceitos equivocados sobre a população afrodescendente do Brasil. Além
de mostrar um pensamento genuíno de quem vive (e viveu) essa evolução e
transformação social. Nosso ponto de vista sobre questões humanas e
sociais é diferenciado por conta da nossa história brasileira. Por isso a
importância de dar visibilidade a essa dramaturgia.
Kultafro – Como surgiu a idéia do projeto?
Aldri – Surgiu de uma pergunta que me fizeram em 2011,
de como eu me sentia sendo um do únicos dramaturgos negros no Brasil.
Naquele momento, eu percebi que as pessoas precisavam enxergar a
ascendência dos diversos dramaturgos jovens e negros que eu conheço e
admiro. Não sou um dos únicos dramaturgos negros, mas sim um dos MUITOS
dramaturgos negros que existem!
Kultafro – Além de “Namíbia, Não!”, qual o outro grande destaque da mostra e porque.
Aldri – Namíbia tem uma especificidade por tratar a
questão étnica em um jogo teatral onde o racismo não é discursado pelos
personagens, mas sim articulado no pensamento do espectador, que observa
aqueles dois primos confinados. Mas o espetáculo é apenas mais uma
dramaturgia colocada em cena dentro da mostra, que é composta por
diversos estilos e estéticas teatrais.
Kultafro – Conte um pouco do que está acontecendo
durante as palestras que estão sendo realizadas durante a mostra e a
importância dessas discussões para a cultura negra.
Aldri – O que tem acontecido durante as palestras e
debates é algo que considero muito rico para as artes cênicas, que é uma
discussão e investigação sobre existência ou não de uma estética
própria da dramaturgia negra brasileira. Como a dramaturgia negra esteve
muito ligada a questões sociais, ela sempre foi foco de estudo das
áreas antropológicas e de sociologia. Pouco se discutiu a dramaturgia
negra brasileira no âmbito estético das artes cênicas. Tenho achado um
momento precioso para podermos investigar esse material cênico. Estamos
projetando transformar essas palestras e debates em livros, para que
essa discussão exista como registro para estudos.
Kultafro – O espetáculo “Namíbia, não!”, cuja a
autoria do texto é sua, fala sobre o quanto estamos longe de um
sociedade racial e social em pé de igualdade.Quais foram as principais
questões que nortearam a concepção do texto
Aldri – Posso afirmar que uma das mais importantes
questões foi justamente a necessidade do reconhecimento identitário.
Desvendar o que se é no presente, a partir de um simples olhar ao
passado histórico, seguido de um outro movimento de olhar para o futuro,
sintetiza a situação teatral dos dois primos (personagens ) do
espetáculo Namíbia,Não!. Acho que até por isso o jovem (negro ou branco)
se interessa tanto por Namíbia. Pois ele fala de identidade brasileira,
de busca de uma singularidade cultural e social brasileira e possível,
apesar do passado histórico na condição de colonizados e naturalmente
absorventes de uma outra cultura. Óbvio que este passado nos deixou
sequelas sócio-culturais e com alguns vícios. Mas Namíbia,Não! , se
observado nas entrelinhas, fala de uma possibilidade otimista de
afirmação de uma singularidade.
Kultafro – Como foi trabalhar com o Lázaro Ramos? Foi a primeira parceria? Qual é a principal colaboração do artista para este projeto?
Aldri – A participação de Lázaro Ramos foi essencial
neste trabalho pela sua capacidade de estimular a equipe, e pela sua
força criativa. Trabalhar com um diretor como ele, tem suas dores e
delicias!Como diretor, ele tem a doçura e fúria dos jovens, misturado
com a sabedoria dos veteranos!
Kultafro – Na sua opinião, como está o panorama da dramaturgia negra no Brasil
Aldri – A dramaturgia negra brasileira está
esteticamente em ebulição, e agregando diversos temas na sua escrita!
Está cada vez mais ampla, redimensionando seu publico.
Kultafro – A dramaturgia negra é discutida no âmbito acadêmico?
Aldri – Eu fiz duas faculdades de Teatro, e posso
afirmar que o material apresetado nas universidades é muito pouco e
insuficiente. Os colegiados deveriam criar matérias exclusivas para o
tema dentro do espaço acadêmico de graduação, e não ficar limitados aos
mestrandos e doutorandos que são verdadeiros salvadores desse material
tão vasto e rico esteticamente.
Kultafro – E como o público de São Paulo tem
recebido os espetáculos? Qual sua expectativa para os espetáculos que
serão apresentados em 2013, na Funarte?
Aldri – A mostra Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada
está apenas começando. Estaremos até abril no Teatro de Arena Eugênio
Kusnet, e essa avaliação seria prematura caso fosse feita agora. Posso
dizer que Namíbia,Não! (que fica até 17/02 sempre de quinta a domingo às
20hs) tem recebido uma platéia bastante heterogênea e interessada.
Diverte-se e reflete sobre essas questões. Minha expectativa é (claro)
ter a presença do maior número de espectadores nos espetáculos e nas
palestras-debates, e poder contribuir de alguma forma com o parâmetro
cultural paulista!
Serviço
Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada
Até 7 de abril de 2013 no Teatro de Arena Eugênio Kusnet
Rua Dr. Teodoro Baima, 94, Vila Buarque, tel (11) 3256-9463
Informações sobre toda a programação:
Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada
Até 7 de abril de 2013 no Teatro de Arena Eugênio Kusnet
Rua Dr. Teodoro Baima, 94, Vila Buarque, tel (11) 3256-9463
Informações sobre toda a programação:
http://www.melaninaacentuada.com.br
FONTE: Kultafro
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